O rótulo “socialista de iPhone”, popular entre grupos de direita para acusar suposta contradição de progressistas que utilizam produtos da Apple, ignora o papel decisivo do Estado no desenvolvimento das tecnologias que compõem o aparelho e diversos outros ícones do mercado. A conclusão é apresentada pelo pesquisador David Nemer, da Universidade da Virgínia, em artigo publicado em 6 de dezembro de 2025.
Inovação financiada pelo poder público
De acordo com Nemer, a economista Mariana Mazzucato demonstra que o iPhone só se tornou possível após décadas de aportes governamentais norte-americanos em pesquisa de alto risco. A Apple, afirma, apenas integrou componentes já maduros graças a políticas públicas.
Tecnologias custeadas com recursos estatais presentes no iPhone:
- Internet e protocolo TCP/IP – desenvolvidos por Darpa e NSF;
- GPS – criado pelo Departamento de Defesa dos EUA nos anos 1970;
- Siri – derivada de projeto de inteligência artificial financiado pela Darpa, com 20 universidades envolvidas;
- Tela multitouch – resultado de pesquisas bancadas por NSF e CIA/DCI;
- Microprocessadores – impulsionados por compras militares em programas como Minuteman 2 e Apollo;
- LCD – desenvolvido com verba do Exército e, depois, da Darpa;
- Bateria de íon-lítio – estudada com recursos do Departamento de Energia e da NSF.
A Apple também recebeu US$ 500 mil do programa SBIC, da Small Business Administration, e contou com aquisições do sistema público de educação dos EUA nos anos 1990, período em que buscava estabilidade.
Exemplos além da Apple
O modelo de risco público e lucro privado se repete em outros setores. Nos 30 anos anteriores à pandemia de covid-19, o governo dos Estados Unidos investiu US$ 31,9 bilhões em pesquisas que permitiram chegar às vacinas de mRNA, sendo US$ 337 milhões antes da crise sanitária.
A Tesla, de Elon Musk, acumulou ao menos US$ 38 bilhões em contratos, empréstimos e incentivos públicos. Destacam-se:
Imagem: Internet
- Empréstimo de US$ 465 milhões do Departamento de Energia em 2010, decisivo para o Model S;
- US$ 11,4 bilhões obtidos com venda de créditos regulatórios ambientais desde 2014;
- Incentivo de US$ 1,3 bilhão do estado de Nevada para construir a gigafábrica;
- Diferentes benefícios fiscais concedidos pela Califórnia.
No setor aeroespacial, a SpaceX sobreviveu graças a contratos iniciais da Darpa e do Departamento de Defesa a partir de 2003. A Nasa assinou acordos de desenvolvimento antes mesmo dos primeiros sucessos da empresa e, após o voo bem-sucedido do Falcon 1, fechou contrato de US$ 1,6 bilhão para reabastecer a Estação Espacial Internacional. O sistema de satélites Starlink também foi impulsionado por lançamentos financiados pelo governo, incluindo contrato de US$ 1,8 bilhão para fins militares.
Para Nemer, os dados indicam que a verdadeira incoerência não está em quem defende políticas estatais e utiliza um iPhone, mas em quem exalta o livre mercado enquanto se beneficia de inovações custeadas por recursos públicos.
Com informações de Poder360

